A sabedoria popular, já cantada até mesmo em música de baixo calão, avisa: pau que nasce torto, nunca endireita. É uma verdade da qual a Usina Hidrelétrica de Barra Grande está virando um ótimo exemplo. Construída através de licenças ambientais obtidas com base em um Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente omisso e mentiroso, hoje protagoniza um espetáculo teatral que finge, muito mal, ser a solução para os problemas ambientais que criou.

O último ato dessa peça aconteceu na última quinta-feira, em Lages, Santa Catarina. Lá, teoricamente, foi realizado um seminário para trazer à sociedade civil a discussão sobre como utilizar da melhor forma possível o potencial hidráulico da Bacia do Rio Uruguai. Esse seminário, assim como um outro a ser realizado nos próximos meses, foi uma das condições impostas pelo Termo de Ajustamento de Conduta firmado para viabilizar o prosseguimento das obras da usina. Quem compareceu ao seminário em busca de soluções, no entanto, encontrou um quadro aterrador.

O biólogo João de Deus Medeiros foi uma dessas pessoas. Ele foi ao seminário representando a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses, uma das ONG´s que lutam na Justiça para impedir que o reservatório de Barra Grande acabe com muitos quilômetros quadrados de florestas de araucárias. Voltou estarrecido com o que viu.

O seminário, para começo de conversa, só começou a ser divulgado menos de uma semana antes de sua realização. Mesmo assim, numa sexta-feira, às vésperas do feriado de 15 de novembro. E só para aquelas pessoas que os organizadores do evento acharam que estariam interessadas no tema. Quer dizer, tomaram-se todas as providências para limitar, em vez de incentivar, a presença de pessoas da sociedade civil. Logo, fez-se tudo para não alcançar o objetivo proposto para o evento.

O resultado não poderia ser outro: pelas contas de João de Deus, não compareceram ao evento, além dos representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens, que estão de prontidão em Barra Grande, mais do que dez pessoas de organizações civis e ambientalistas. Ainda segundo o biólogo, quem teve a sorte de conseguir ir, deparou-se com um seminário organizado de forma a limitar e controlar a participação da população e incapaz de colher subsídios para tentar diminuir o impacto ambiental da exploração da águas do Rio Uruguai.

“As perguntas que quiséssemos fazer tinham que ser escritas num pedaço de papel e entregues à mesa dos organizadores, que selecionava aquelas que seriam lidas”, diz. Todo o resto do evento foi feito na forma de painéis, apresentados ao público e sem a participação dele. Apresentou-se, inclusive, um projeto de manejo pronto – e não aberto a discussões – que, denominado “Corredores Ecológicos da Bacia do Uruguai”, não faz mais do que propor a recomposição da mata ciliar do Rio Uruguai numa faixa de cem metros de largura. João lembra que, por lei, a faixa de mata ciliar daquele rio tem que ser mais larga do que isso em vários trechos.

Outro fato curioso é que, embora esse projeto tenha sido desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, a própria universidade não foi chamada a participar do evento.

Isso tudo é muito grave porque, a esta altura, o que se está discutindo nesse caso não são mais os benefícios e malefícios da construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande. O que está em jogo agora é a própria eficácia da aplicação legislação ambiental brasileira.

Fazendo um retrospecto do caso, temos as seguintes fatos: a Barra Grande Energia S.A. produz e divulga um Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente – RIMA gritantemente fraudulento; o Ibama, mesmo sabendo que o relatório não representava a realidade dos impactos ambientais da obra, concede as licenças necessárias para a sua construção; diante da descoberta da farsa, os responsáveis pela construção da usina, o Ibama, o Ministério Público, e os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia, sentam-se para assinar um Termo de ajustamento de Conduta que, mesmo cumprido à risca, não mitigaria os danos trazidos pelo enchimento do reservatório de Barra Grande; organiza-se um seminário absolutamente incapaz de atingir os objetivos perseguidos pelo TAC.

O que fazer se qualquer um puder fraudar um relatório de impacto ambiental, um dos mais importantes instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, previsto na Constituição Federal, e não sofrer nenhuma espécie de sanção? Aqueles que elaboraram esse documento deveriam ter sido, de acordo com a nossa legislação, responsabilizados civil e criminalmente. Mas não foram. Muito pelo contrário. As autoridades nesse caso têm assumido uma postura de passar a mão na cabeça dos responsáveis, propondo e aceitando soluções de faz-de-conta.

Nas barbas de todos nós, a Lei de Crimes Ambientais e a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente têm sido solenemente ignoradas. A Constituição Federal virou apoio de mesa bamba. E a quem cabia impedir isso, aparentemente não adianta recorrer.

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