
Mico-leão-da-cara-preta: primata ameaçado da Mata Atlântica
Mico-leão-da-cara-preta: primata ameaçado da Mata Atlântica
Descoberto há pouco mais de três décadas, o mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara) é um dos primatas mais ameaçados de extinção do Brasil.
Em 1990, um pequeno primata de face escura e juba dourada surpreendeu pesquisadores ao ser registrado na Ilha de Superagui, no litoral norte do Paraná. O mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara), também chamado de mico-caiçara, é um dos quatro micos-leões conhecidos, com a distribuição geográfica mais restrita. Desde então, a ciência e iniciativas de conservação buscam evitar sua extinção.
“É uma espécie muito especial, endêmica do coração da Grande Reserva Mata Atlântica”, explica Elenise Angelotti Bastos Sipinski, coordenadora do programa de fauna da SPVS. em entrevista à Apremavi: “a maior parte da sua área de distribuição está em duas unidades de conservação de proteção integral, o PARNA do Superagui e o PE do Lagamar de Cananéia, desde a década de 1950, quando foi aberto o canal do Varadouro.”
Uma vida entre florestas maduras e alagadas
Diferentemente de espécies do mesmo grupo que vivem mais ao norte, o mico-leão-da-cara-preta está adaptado a florestas de planície, em regiões de baixa altitude (até 40 metros), muitas vezes alagadas, e evita áreas de floresta montana e manguezais. É encontrado tanto em florestas maduras quanto em áreas em regeneração, desde que apresentem vegetação densa e conectividade entre fragmentos.
Essa restrição ecológica e a baixa tolerância a perturbações no ambiente tornam a espécie extremamente vulnerável à fragmentação de habitats. A construção do canal que separa a Ilha de Superagui do continente é um exemplo de perda de conectividade dos ambientes: além de alterar a dinâmica hídrica local, isolou geneticamente as populações insulares das continentais.
Importância ecológica
A espécie é essencial para a floresta. “Ele é uma espécie dispersora, alimentando-se de diversas frutas e ajudando a espalhar sementes enquanto se desloca entre as árvores”, explica Elenise. “É um animal extremamente ativo, passa o dia pulando de árvore em árvore, e nesse movimento, contribui para a regeneração natural da floresta.”
A conservação do mico é, portanto, também a conservação das dinâmicas florestais naturais e da biodiversidade que delas dependem.
População crítica
Estudos populacionais indicam que foram registrados 400 indivíduos na natureza, número preocupante para a espécie, segundo a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS). Isso resultou na classificação da espécie como “Em Perigo” na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas e na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
A perda contínua de habitat na porção continental onde a espécie ocorre e o isolamento das populações remanescentes são os principais fatores de risco. Isso reforça a importância da conectividade entre áreas protegidas e da restauração ecológica em regiões-chave para a sobrevivência da espécie.
A resposta: ciência, articulação e comunidades
Diante da ameaça à espécie, a SPVS coordena desde 2018 o Programa de Conservação e Monitoramento do mico-leão-da-cara-preta, com atuação no Paraná e, em parceria com a Fundação Florestal, também em São Paulo. As ações acontecem no contexto da Grande Reserva Mata Atlântica e são integradas ao Plano de Ação Nacional (PAN) para os Primatas da Mata Atlântica e a preguiça-de-coleira, coordenado pelo ICMBio.
Para Elenise Sipinski, a principal lição do programa até hoje é clara: a conservação não se faz sozinho. “É um grupo grande de diferentes instituições, como o ICMBio, a Fundação Florestal, universidades, a Fiocruz, o IPEC, além da SPVS. São pesquisadores, gestores e comunidades que se reúnem para buscar as melhores estratégias de conservação.”
Além da ciência, o diálogo com as comunidades locais é parte vital da estratégia. “Desde o início, participamos de reuniões nos conselhos das unidades de conservação, comunicando e ouvindo os moradores. Hoje, temos três pessoas da própria comunidade trabalhando no programa, duas no monitoramento e uma na educação ambiental”, conta a pesquisadora. Uma das funcionárias, por exemplo, é bióloga nascida e criada em Superagui.
Esse envolvimento tem sido fortalecido com pesquisas de percepção social, para entender como as pessoas enxergam o mico, o parque e o projeto. “Esses dados embasam nossas ações de educação ambiental e relacionamento comunitário”, reforça Elenise. “É fundamental sermos transparentes, dialogar, dar oportunidade para que as pessoas atuem conosco e vejam o valor da conservação também em sua realidade.”
O que precisa ser feito agora?
A atualização da estimativa populacional é uma das ações mais urgentes. O último levantamento foi feito há mais de 10 anos. “Hoje realizamos um monitoramento mensal em trilhas na Ilha de Superagui. A cada avistamento, anotamos número de indivíduos, composição dos grupos, presença de filhotes, sexo, comportamento. Isso vai permitir calcular uma estimativa atual e mais precisa”, explica.
Além disso, fortalecer a gestão das Unidades de Conservação é prioridade. Elenise reforça que é necessário que os parques tenham gestão voltada à biodiversidade, engajamento comunitário e fiscalização efetiva, garantindo que a proteção no papel se traduza em proteção real no território.
Esperança em movimento
Mesmo diante de tantos desafios, a pesquisadora acredita que ainda é possível reverter o cenário de risco da espécie. “Acredito que as ações do programa são fundamentais para que a espécie se mantenha na natureza. Se tivermos um programa fortalecido, Unidades de Conservação bem geridas e o envolvimento das comunidades, podemos sim garantir um futuro para o mico-leão-da-cara-preta.”

Mico-leão-da-cara-preta em seu habitat natural. Fotos: Gabriel Marchi e Paulo Valadão, CC BY-NC 4.0 via INaturalist
Mico-leão-da-cara-preta
Nome científico: Leontopithecus caissara.
Família: Callitrichidae.
Habitat: endêmico da Mata Atlântica.
Dieta: insetívoro e frugívoro.
Peso: Em média, indivíduos adultos pesam entre 648,89 gramas (fêmea) e 685,38 gramas (macho).
Hábito de vida: espécie diurna. Vive em grupos familiares e possui hábitos territorialistas.
Distribuição: litoral do Paraná e de São Paulo.
Ameaças: construção do canal que separa o continente da ilha de Superagui, promovendo desconexão de hábitat, perda e fragmentação de habitat.
Status de conservação: Em Perigo, tanto pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) quanto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Referências consultadas:
LUDWIG, G.; NASCIMENTO, A. T. A.; MIRANDA, J. M. D.; MARTINS, M.; JERUSALINSKY, L.; MITTERMEIER, R. A. Leontopithecus caissara. The IUCN Red List of Threatened Species, [S.l.], 2021. e.T11503A206547044. Disponível em: https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2021-3.RLTS.T11503A206547044.en. Acesso em: 24 jul. 2025.
LUDWIG, G. et al. Leontopithecus caissara Lorini & Persson, 1990. Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade – SALVE, 2025. Disponível em: https://salve.icmbio.gov.br. DOI: 10.37002/salve.ficha.31034.2. Acesso em: 24 jul. 2025.
NASCIMENTO, A. T. A. Ecologia e conservação do mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara) na região do Ariri, Cananeia, São Paulo. 2014.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto.
Foto de capa: (CC) Gabriel Marchi CC BY-NC 4.0, via INaturalist.