
Campos de Altitude sob ataque
Campos de Altitude sob ataque
Os Campos de Altitude têm sido alvo de tentativas de flexibilização de sua proteção, comprometendo a conservação desses ambientes e seus serviços ecossistêmicos. O Projeto de Lei (PL) 364/2019 busca retirar esses ecossistemas da proteção conferida pela Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) além de todas as demais fitofisionomias não florestais, colocando em risco diversas áreas naturais de todos os biomas do país.
Os impactos do PL 364/2019 nos Campos de Altitude
O PL 364/2019 surgiu em resposta às fiscalizações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em municípios da região dos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul. As autuações foram aplicadas a produtores rurais que convertiam campos nativos para a agricultura sem autorização, o que motivou a proposição legislativa para excluir os Campos de Altitude do escopo de proteção da Lei da Mata Atlântica.
Além disso, um substitutivo ao PL 364/2019, aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, vai ainda mais longe ao remover a proteção de todas as fitofisionomias não florestais nativas do Brasil. Caso essa proposta avance, cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos perderão proteção legal, incluindo 50% do Pantanal, 32% do Pampa, 7% do Cerrado e 15 milhões de hectares na Amazônia.
A retirada dessa proteção legal também afeta diretamente as metas ambientais brasileiras, incluindo a conservação da biodiversidade, a redução das emissões de carbono e os esforços de mitigação das mudanças climáticas. Cientistas brasileiros publicaram uma carta na revista Science denunciando a proposta como um “golpe severo para a biodiversidade brasileira e global.”
Atualmente, o PL está com o status de “Aguardando Deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)”
Mudanças na Legislação Estadual
Os impactos do PL 364/2019 não se limitam à esfera federal. Estados como Santa Catarina já estão modificando suas legislações ambientais. Em 2022, o Código Estadual do Meio Ambiente de Santa Catarina restringiu a proteção dos Campos de Altitude apenas às áreas acima de 1500 metros de altitude e redefiniu todos os critérios para classificação dos estágios sucessionais da vegetação campestre. Com isso, a área protegida foi reduzida para apenas 3,8% da cobertura original definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os critérios que permitem a supressão da vegetação campestre flexibilizados, em conflito direto com os parâmetros estabelecidos pelo CONAMA.
Essa restrição da ocorrência de Campos tão somente em altitudes superiores a 1500m contraria as definições do Mapa da Área de Aplicação da Lei da Mata Atlântica e da Resolução CONAMA 423/2010, que estabelecem que os Campos de Altitude estão presentes em altitudes a partir de 400 metros, dependendo da latitude. A alteração também introduz novos critérios para a classificação dos estágios sucessionais, comprometendo a recuperação e manutenção desses ecossistemas.
Uso sustentável dos Campos de Altitude
Apesar dos desafios impostos por mudanças legislativas, é possível compatibilizar a conservação dos Campos de Altitude com atividades econômicas sustentáveis. Modelos de manejo, como a pecuária extensiva tradicional e o turismo ecológico, são exemplos viáveis de uso econômico que preservam a integridade ambiental.
A Pecuária Familiar Tradicional, por exemplo, mantém uma relação simbiótica com os campos nativos, sendo um modelo de produção que respeita a dinâmica natural do ecossistema. O pastoreio extensivo tradicional é reconhecido como atividade de uso indireto, não exigindo autorização dos órgãos ambientais desde que não promova a degradação do bioma ou a introdução de espécies exóticas.
O PL 364/2019 representa uma ameaça significativa às áreas campestres do Brasil, comprometendo a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos essenciais. As mudanças na legislação estadual indicam uma tendência de redução dos níveis de proteção ambiental preocupante, e contrariam diretrizes científicas assim como marcos legais previamente estabelecidos.
Para garantir a manutenção e restauração desses ecossistemas, é fundamental rejeitar propostas que enfraquecem a proteção ambiental e incentivar políticas públicas que estimulem a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais. O futuro dos Campos de Altitude depende de decisões baseadas na ciência e no compromisso com a proteção e salvaguarda da biodiversidade brasileira.
Campanha em prol dos Campos
Essa matéria é fruto da campanha “Proteja os Campos de Altitude”, uma das iniciativas do projeto “Cuidando da Mata Atlântica: Articulação Região Sul da RMA”, executado numa articulação entre a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e Instituto Mira Serra, com o apoio financeiro da Fundação dinamarquesa Hempel por meio da Fundação SOS Mata Atlântica.
Referências:
Coalizão Pelo Pampa. (2024). Carta aberta à sociedade brasileira: PL 364/2019, a extinção dos campos nativos, e as perdas para a sociedade brasileira.
Overbeck, G. E., Toma, T. S., da Silveira-Filho, R. R., Dechoum, M. S., Fonsêca, N. C., Grelle, C. E., … & Fernandes, G. W. (2024). Brazil’s natural grasslands under attack. Science, 384(6692), 168-169.
SOS Mata Atlântica. (2024). Nota técnica e jurídica: Impactos ambientais decorrentes da aprovação do PL 364/19 e possibilidades de solução.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Carolina Schäffer e João de Deus Medeiros.
Foto de capa: Wigold Schaffer.