
O que leva um proprietário rural a conservar e restaurar a floresta?
O que leva um proprietário rural a conservar e restaurar a floresta?
Um dos maiores desafios da restauração ecológica é engajar proprietários rurais. Com 54% da vegetação nativa remanescente do país localizada em terras privadas, entender o que move, ou desmotiva, agricultores a conservar e restaurar as florestas é essencial para dar escala à restauração. E foi exatamente isso que o estudo liderado pela pesquisadora Amanda Augusta Fernandes, do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF) da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP), buscou compreender.
Publicado recentemente na revista Restoration Ecology, o artigo se debruça sobre as decisões de uso da terra na Mata Atlântica em 90 propriedades rurais de diferentes portes em 13 municípios do estado de São Paulo. O objetivo foi investigar os motivos que levam os proprietários a diminuir, manter ou aumentar a cobertura florestal em suas propriedades e quais serviços ecossistêmicos são percebidos por eles como benefícios da floresta.
Água em primeiro lugar
A água é o serviço ecossistêmico mais valorizado pelos produtores rurais. A conservação de nascentes, o fornecimento de água e a melhoria do microclima aparecem como principais razões para manter a floresta em pé, especialmente entre proprietários de pequenas propriedades que foram entrevistados.
Já benefícios como sequestro de carbono e produção de alimentos foram raramente mencionados, revelando que existe uma necessidade grande de conscientização sobre esses temas. Apenas 9% dos entrevistados citaram o carbono como um benefício.
Um estímulo para a restauração acontecer
Apesar do reconhecimento dos benefícios, a maioria dos produtores não planeja restaurar por conta própria. No entanto, esse cenário muda quando há apoio técnico e financeiro. Nesses casos, o interesse aumenta: cerca de um terço dos produtores afirmaram que participariam de ações de restauração. Além disso, o estudo revela que grandes proprietários tendem a enxergar mais oportunidades ligadas ao mercado de créditos de carbono, mesmo ainda conhecendo pouco sobre o tema.
Comunicação e cultura
O estudo aponta para a necessidade de melhorar a comunicação com os produtores rurais sobre os benefícios múltiplos da floresta, indo além da obrigatoriedade legal e traduzindo temas como carbono e biodiversidade em impactos tangíveis no dia a dia das famílias rurais.
A pesquisadora destaca também a importância de formar e manter redes e coletivos locais, que fortaleçam a construção de capacidades e vínculos duradouros com os produtores. “Não basta plantar a semente, é preciso regar. A continuidade da relação é fundamental para escalar a restauração”, reforça Amanda Fernandes.
Entrevista com Amanda Augusta Fernandes

Amanda Augusta Fernandes, engenheira ambiental e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP).
- Como surgiu a ideia de explorar a percepção dos agricultores sobre os serviços ecossistêmicos associados à cobertura florestal nativa?
A ideia surgiu de uma vivência pessoal. Eu sou filha de agricultores e cresci no meio rural, então sempre tive um olhar sobre como as pessoas desse meio se relacionam com o ambiente. Aos poucos, minha curiosidade foi se ampliando para compreender o que leva alguém a conservar a floresta dentro de uma propriedade rural?
- Como você acha que a compreensão do porque os proprietários rurais participam de iniciativas de restauração pode dar escala à restauração?
Um ponto fundamental é focar na comunicação e na mudança de cultura para que a restauração possa ganhar escala. Isso é ainda mais importante quando a gente considera que cerca de 54% dos remanescentes florestais estão em propriedades privadas.
Precisamos cultivar relações e vínculos com os proprietários. Esse vínculo é essencial para a continuidade e o sucesso das ações de restauração.
- Os aprendizados do seu estudo podem ser aplicados em outros territórios da Mata Atlântica?
A Mata Atlântica é muito diversa nas suas fitofisionomias, e isso precisa ser considerado. É preciso alinhar essas oportunidades, como os projetos de carbono, com a água e também com a produção de alimentos. Nosso protocolo de entrevista semi-estruturado foi adaptado aos objetivos dos projetos e pode servir como base para ser usado em outros contextos.
- O sequestro de carbono foi um benefício pouco reconhecido pelos agricultores. Como as redes e coletivos que atuam com restauração ecológica podem atuar para tornar esse serviço mais visível e valorizado no campo?
Uma das formas é por meio da construção de capacidades. As organizações que atuam com restauração precisam ter um entendimento claro sobre a temática do carbono e, principalmente, desenvolver uma comunicação didática e focada. O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, por exemplo, tem atuado com forças-tarefa e cursos voltados para organizações.
Para médios e grandes proprietários rurais, é importante garantir acesso a informações verdadeiras, com foco em áreas maiores onde há obrigatoriedade de manter Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP). Nesses casos, os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), envolvendo carbono, água e biodiversidade, podem ser caminhos viáveis, especialmente em projetos agrupados, com mais escala.
Já para pequenos proprietários, é importante desenvolver arranjos de projetos participativos, que tragam compartilhamento de benefícios econômicos e estejam conectados com suas realidades.
- Como você avalia a percepção dos proprietários rurais sobre a legislação ambiental? Como você avalia a diferença de percepção entre pequenos e grandes proprietários?
De modo geral, os entrevistados demonstram respeito pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR). Além disso, há uma percepção de que as políticas ambientais geram mais medo no pequeno produtor, porque ele sente os impactos diretamente, inclusive no bolso. Já para o médio e grande, muitas vezes é mais vantajoso pagar uma multa do que seguir a legislação. Isso cria um cenário em que o pequeno respeita mais por necessidade, enquanto os outros grupos podem relativizar esse respeito.
Quanto aos benefícios associados à cobertura florestal, os pequenos proprietários, por morarem na propriedade, percebem uma gama mais ampla de serviços ecossistêmicos, não apenas a provisão de água, mas também serviços culturais, de suporte e de regulação. Já os médios e grandes tendem a valorizar quase exclusivamente o acesso à água, sem mencionar tanto os demais serviços.
- Quais são os próximos passos que você acredita serem necessários para ampliar o impacto das ações de restauração junto aos proprietários?
Um ponto fundamental é investir em uma comunicação participativa e horizontal, que valorize o diálogo com os agricultores desde o início dos projetos. Ficou evidente, nas entrevistas, que a maioria dos proprietários têm interesse em restaurar, mas o interesse maior surge quando existe um projeto que traz apoio técnico, mudas e preparo do terreno.
Também é essencial aprofundar a compreensão sobre as abordagens de contabilidade do carbono, especialmente adaptadas ao bioma da Mata Atlântica, e consolidar indicadores sociais e econômicos.
Por fim, o papel dos coletivos e redes é central nesse processo. A construção de capacidades locais, o fortalecimento das relações interpessoais e o acúmulo de aprendizados ao longo do tempo são o que tornam possível aplicar esses conhecimentos a outros biomas.
Revisão: Carolina Schäffer.
Foto de capa: Maíra Ratuchinski.